Opinião
Professor, entre portas e janelas
O comentário de Gilson Aguiar por Gilson Aguiar em 15/10/2025 - 08:00Há quase quarenta anos eu entro em sala de aula. E, a cada vez que cruzo essa porta, tenho a sensação de que estou entrando em muitas outras — portas que dão em vidas. Vidas trancadas, algumas por medo, outras por costume, e há também aquelas que parecem adormecidas. Para alcançá-las, às vezes é preciso forçar a fechadura; outras, convencer quem está lá dentro a abrir a porta.
O ser humano tem dificuldade em se permitir aprender. Resistimos a rever a nós mesmos, a revirar o que está guardado, a sacudir a poeira dos cantos escuros da alma. Há um isolamento confortável em nossas certezas, como se estivéssemos presos num cômodo fechado, sem perceber que o ar está rarefeito.
A casa escura da consciência
Ser professor é como entrar em uma casa que há muito tempo não se abre. As janelas estão cobertas por cortinas pesadas, o ar é denso e a penumbra domina o ambiente. Ninguém sabe direito o que há ali, porque ninguém consegue enxergar.
Então, alguém precisa ter coragem de abrir as cortinas, de deixar a luz entrar. É um gesto simples, mas poderoso: a claridade revela o que antes era invisível. Ilumina o que precisa ser limpo, revisto, reorganizado — e, às vezes, esquecido. A luz não é apenas revelação; é também convite à mudança.
Dar vida ao que estava adormecido
É preciso dar vida ao lugar para que ele possa mudar. E o professor é exatamente isso: aquele que entra na casa do outro — a casa da mente, da consciência, da percepção — e a ajuda a respirar de novo.
Ser professor é atravessar os corredores da intimidade humana, onde moram as crenças, os medos e as convicções. É provocar movimento onde antes havia inércia. É, de algum modo, fazer o outro reencontrar-se consigo mesmo.
O ofício de abrir janelas
O verdadeiro professor é aquele que abre janelas. Que permite à luz entrar, não para impor uma verdade, mas para que cada um possa enxergar a própria realidade com nitidez. É nesse clarão que o ser humano descobre quem é — e, talvez, quem deseja ser.
Ser professor é estar ao lado de quem aprende, como um guia que acende a lanterna no caminho. É ser o que traz a reflexão, a dúvida, o espanto. É, como dizia Sócrates, ajudar o outro a “conhecer-se a si mesmo”.
No fundo, ensinar é isso: dar vida à vida humana. Ajudar cada pessoa a abrir suas próprias janelas — para que o ar circule, a luz entre, e o mundo, enfim, se revele em toda a sua beleza e complexidade.
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