Gilson Aguiar: "índios continuam sendo 'atropelados'"
Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Gilson Aguiar: "índios continuam sendo 'atropelados'"

O comentário de Gilson Aguiar por Gilson Aguiar em 23/04/2018 - 08:06

Há mais de 500 anos ocorreu o encontro entre o europeu em sua expansão planetária encontrou os indígenas. Vale lembrar que o termo “índio” vem da identificação dada pelos colonizadores. Todos aqueles do além-mar, nas terras ao ocidente do Atlântico, habitam as “Índias Ocidentais”, são os índios. Desconhecidos até hoje. Mas cruzamos com eles diariamente, nem percebemos ou percebemos. Quando nos damos conta, às vezes, tarde demais.

Este final de semana uma criança indígena de 4 anos foi atropelada por uma moto na Avenida Guaiapó. Ela morreu após ser atendida pelo Samu e ser levada para o Hospital Metropolitano de Sarandi. A menina, uma kaigang, estava com a mãe. Soltou da mão e correu para a rua. Uma motocicleta atropelou uma un kãsir, criança menor na língua kaingang. Este encontro desastroso já é algo secular.

Hoje, depois de 4 décadas de crescimento, os indígenas aumentaram sua população. Saíram de 250 mil no final dos anos de 1970 para mais de 890 mil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge) Cerca de 320 mil indígenas vivem na cidade e 570 mil em áreas rurais, entre elas reservas indígenas, como é o caso da menina atropelada.

Os Kaingang dominaram a região onde se encontra Maringá em uma imensa faixa de terra entre o Mato Grosso e Santa Catarina. Ocuparam estas terras antes da chegada dos europeus, em uma guerra com os Tupis. É sempre bom lembrar que havia centenas de nações indígenas nas Américas, elas se moviam, disputavam territórios, organizavam comunidades e tinham características distintas. Infelizmente, na percepção da grande maioria dos brasileiros, índios são todos iguais. Não são.

Quando observamos os índios na vida urbana. Acampando em praças, sentado em baixo das árvores enquanto seus filhos vendem artesanato ou pedem dinheiro nos sinaleiros, ainda praticamos o julgamento com falta de alteridade. Os julgamos e condenamos com nossos conceitos, valores. Eles são diferentes.

As crianças indígenas vivem mais livres do que nossos filhos. Por isso, correm mais riscos. Por mais que os olhos atentos das mães tentem evitar o pior, a motocicleta não faz parte dos seus temores culturais. Mesmo correndo mais riscos, ficam independentes mais cedo. Nossos avós e pais conhecem um pouco disso. A liberdade tem seu preço.

Se conhecêssemos a história dos indígenas, sua diversidade, sua relação com a construção da sociedade brasileira, seus encontros e desencontros, poderíamos conviver com mais qualidade e respeito. Temos que aprender a diferenciar o morador de rua do indígena. O mendigo e o índio se confundem por estarem ocupando o mesmo espaço e viverem na miséria.

O que ocorreu foi um acidente. Quantas crianças acabam sendo vítimas do trânsito? Muitas. Neste acidente pontual não adianta buscar culpados, é apenas o encontro entre o indígena em condição de risco e um dos nossos habitantes urbanos, em seu dia a dia. Estes encontros ocorrem diariamente, há mais de 500 anos. E, quase sempre, são desastrosos.

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