Retirei a base do texto Folha de São Paulo, já bem rodado no Reddit.
Há uma tradição brasileira quase tão antiga quanto a própria República. Foi assim quando Getúlio Vargas se equilibrava no poder ou quando o japonêss da Federal chamou atenção nas prisões da Lava-Jato. O assunto pode ser sério, mas chega o Carnaval e o brasileiro compõe uma marchinha a para tirar ironizar de tudo e de todos.
E neste ano, não poderia ser diferente. Quem está na mira é o presidente, Jair Bolsonaro (PSL).
Eleito com uma pauta assumidamente conservadora, o presidente mantém uma agenda que parece ser oposta ao espírito transgressor e debochado do Carnaval.
É justamente o conservadorismo e o discurso moral que inspiram uma série de marchinhas irônicas e críticas nesse Carnaval de 2019.
A família Passos, em Curitiba, há semanas perdeu a conta de quantas visualizações tiveram os seus vídeos com marchinhas nas redes sociais.
A origem do sucesso foi quando Isis, 40, a irmã mais velha da família, conversava com a mãe, Marília, 76, sobre discursos raivosos na internet. Elas então decidiram transformar essa matéria-prima em piada, em marchinha.
Assim nasceu a irônica “A Culpa é do PT”, com versos como “nossa bandeira jamais será vermelha”, “vamos acabar com isso daí”, “bandido bom é bandido morto”.
“O conteúdo teórico a gente tem de graça... é só montar e aparar as rimas”, conta Isis sobre a composição que já foi vista mais de 2 milhões de vezes. A família perdeu a contabilidade quando a gravação da marchinha ganhou links alternativos e se multiplicou.
Desde então, a família já fez marchinhas criticando a reforma da Previdência, tirando uma do Flavio Bolsonaro e dos eleitores que chamam de direita.
Um dos autores do hit “Japonês da Federal”, o advogado Thiago Souza, tem a sua tese sobre o interesse dos carnavalescos pelo novo governo.
Segundo ele, “Esse é um governo super contraditório, desde a retórica da moral, com o assunto dos laranjas, do Queiróz, por si já dá muitas piadas. Se governar um país não fosse uma coisa séria, seria muito divertido”.
Para ele, quanto mais um governo for inflexível em suas posturas e agendas, seja ele de direita ou esquerda, mais sujeito às sátiras estará. “A narrativa conservadora é muito boa de virar piada. Porque ela é muito inflexível. E eu acho que os progressistas têm um comportamento muitas vezes conservador. Por isso que viram piadas boas também”.
O maestro João Roberto Kelly, 80, é considerado o rei das marchinhas. Ultimamente, trocou costumes por temas políticos. Compositor de “Cabeleira do Zezé”, “Maria Sapatão”, ele escreveu os versos “Aí Gilmar, eu tô em cana, vem me soltar”, para o Carnaval de 2018.
Neste ano, o maestro aposta na polêmica recomendação da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, de que meninas vestem rosa e meninos, azul. Na marchinha, ele diz querer provocar confusão na folia e sair de sunga rosa, enquanto a mulher, sairá de biquíni azul.
Para o escritor e historiador Luiz Antonio Simas, não é de hoje que o brasileiro usa o Carnaval para falar de política. Embora não fossem marchinhas, há registros de canções carnavalescas durante a campanha abolicionista no Império.
Em 1929, às vésperas de uma grande crise econômica mundial, o folião brasileiro pulou o Carnaval debochando da própria miséria.
Quando o Brasil decide entrar na Segunda Guerra Mundial, pelas ruas se cantavam marchinhas que tiravam sarro de ninguém menos que Adolf Hitler, que era chamado de palhaço
Nessa mesma época, Getúlio Vargas soube bem usar o gênero para encomendar jingles e incentivar composições que ajudassem a formar um novo projeto de país, sob a ditadura do Estado Novo.
Décadas depois, em outra ditadura, no governo militar, a marchinha era mais usada para tentar criar a sensação de um país ufanista.
E para quem acha que 2019 começou num clima trágico e pouco convidativo ao Carnaval, os compositores e foliões parecem discordar.
No Carnaval, as coisas costumam funcionar ao contrário. Quanto mais crítico e complexo o momento, maior animação e ironia no carnaval.
Há quem avalie que este carnaval está sendo um dos mais animados dos últimos tempos.
A ficha não caiu ainda para o tamanho e a quantidade dos problemas a enfrentar a partir desta quarta-feira de cinzas. Mas o ano terá que começar, nem que seja na quinta-feira, ou na semana que vem, ou em abril, quem sabe em maio.