Em seus 21 anos de poder, os militares haviam moldado o texto constitucional para institucionalizar as medidas excepcionais que decretaram. Em 1967, houve a reforma da Constituição mediante regras impostas pelo Ato Institucional n. 4. Em 1969, na vigência do Ato Institucional n.5, a Junta Militar que governava o país decretou a nova Constituição, conhecida como emenda 1.
Em 1978, o general Ernesto Geisel revogou o AI-5, medida com validade a partir da posse de seu sucessor, mas preservou vários instrumentos de força, conhecidos como salvaguardas do regime, que poderiam ser usados, de acordo com a necessidade dos detentores do poder, na fase final dos governos militares. O processo de abertura democrática foi conduzido sob a tutela dessa herança do ordenamento jurídico autoritário. No vocabulário da oposição, tudo isso era chamado de entulho autoritário.
Em 1986, houve a convocação da Constituinte. Os movimentos sociais lançaram a ideia de uma Constituinte exclusiva, cujos membros teriam mandato específico para essa finalidade. No entanto, prevaleceu a ideia, assumida pelas lideranças parlamentares, de uma Constituinte Congressual, ou seja, a constituição seria elaborada pelos parlamentares eleitos ao Congresso Nacional naquele ano. Estranhamente, decidiu-se que também participariam os senadores eleitos em 1982, com mandato até 1990.
O PMDB, grande vitorioso nas eleições de 1986, formou a maior bancada e comandou os trabalhos. O deputado Ulisses Guimarães, principal rosto da oposição nos anos finais do regime militar, tornou-se presidente da Câmara dos Deputados e da Constituinte. Líder do PMDB na Constituinte, o senador Mário Covas teve atuação destacada na primeira fase, influenciando a escolha dos relatores das comissões temáticas e o primeiro relatório.
No espírito participativo que grassava na época, a Constituinte abriu-se ao debate com a sociedade e acolheu a apresentação de emendas populares. De resto, a sociedade organizada constituía comitês de fiscalização dos trabalhos, debatendo e divulgando como cada parlamentar votava.
Em setembro de 1987, quando houve o início dos debates do relatório da comissão de sistematização, formou-se uma articulação de parlamentares que estavam insatisfeitos com o teor da proposta. Essa articulação, que reunia parlamentares de legendas conservadoras e até mesmo parlamentares do PMDB que não seguiam a liderança de Ulisses Guimarães, chamou a si própria de Centro Democrático. Seus opositores a batizaram de “centrão”. Daí em diante, o assim chamado “centrão” interferiu na condução dos trabalhos e na definição do texto.
Não obstante essas marchas e contramarchas, a nova Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988, é a mais democrática de nossa história. No ato de sua promulgação, Ulisses Guimarães a batizou, com razão, de Constituição cidadã. Primeiro, porque é regida pelo princípio da democracia participativa: o poder emana do povo e com o povo é exercido. Segundo, também é regida pelo princípio da equidade social, mediante a garantia de uma robusta agenda de direitos sociais.